Como se antecipava, 2025 tem sido um ano marcado por uma incerteza e volatilidade elevadas, tornando qualquer exercício de projeção económica muito complicado. Vários fatores contribuem para isto, mas, naturalmente, deve ser destacado o aumento sem precedentes da incerteza associada à política comercial. O ironicamente chamado Liberation Day (que, no início de abril, levou a tarifa média cobrada às importações feitas pelos EUA para máximos de mais de 100 anos) gerou uma reação muito adversa nos mercados e, algo mais preocupante, gerou a perceção de que os investidores estavam a deixar de olhar para os EUA como um destino de investimento atrativo e seguro.
A Administração Trump tem, ainda, em cima da mesa, processos de investigação sobre práticas comerciais em alguns setores, com destaque para o farmacêutico, que poderão dar origem a novas tarifas
É habitual repetir-se a frase “Sell in May and go away”. Mas, este ano, o mês de maio acabou por trazer uma melhoria do sentimento e um aumento da propensão ao risco nos mercados. Depois dos mínimos do ano observados na primeira semana de abril, os principais índices acionistas norte-americanos anularam as perdas registadas no mês e, também, year-to-date. Para esta evolução contribuíram os diversos sinais de recuo da Administração Trump no que respeita às tarifas, incluindo (i) a suspensão, por 90 dias, das tarifas recíprocas bilaterais; (ii) a isenção de tarifas sobre alguns produtos importados da China, como smartphones; (iii) a suspensão temporária de algumas tarifas sobre o setor automóvel; (iv) o anúncio de negociações comerciais bilaterais com alguns países, já concretizado num princípio de acordo comercial entre os EUA e o Reino Unido; e, last but not least, (v) o anúncio, em Genebra, de um enquadramento para negociações comerciais entre os EUA e a China, incluindo a suspensão, por 90 dias, das “tarifas recíprocas” impostas pelos dois países. Mais do que os factos em si, o mercado terá valorizado, sobretudo, a ideia de que a Administração Trump será mais sensível aos impactos adversos de algumas das suas propostas iniciais e de que tenderá, assim, a seguir políticas mais market-friendly.
O que se segue, então? É razoável assumir que, com estes recuos, os riscos de recessão, ou de estagflação se atenuaram na economia norte-americana. Contudo, deve ser notado que, ainda assim, persiste um quadro mais protecionista, com os EUA a manterem tarifas mínimas de 10% face à generalidade dos países ou de 30% face à China – em qualquer caso, um aumento significativo face ao passado recente. A Administração Trump tem, ainda, em cima da mesa, processos de investigação sobre práticas comerciais em alguns setores, com destaque para o farmacêutico, que poderão dar origem a novas tarifas. Neste sentido (e não se sabendo também o que poderá acontecer ao fim dos 90 dias de suspensão das “tarifas recíprocas”), a permanência de um quadro de incerteza e as disrupções já introduzidas nas cadeias de abastecimento e de produção deverão contribuir para algum abrandamento da atividade e para alguma pressão inflacionista, que deverá ser mais visível nos EUA a partir de junho-julho (vários retalhistas norte-americanos alertaram já para isto). A estes riscos acresce uma possível reação adversa do mercado à eventual aprovação, no Congresso dos EUA, de legislação orçamental aumentando o défice federal e os limites da dívida de forma significativa. Perante este quadro, o Fed deverá manter-se paciente no que respeita ao corte dos juros de referência, mantendo, nos próximos meses, uma postura de wait and see. Já na Zona Euro, para já, os impactos das tarifas dos EUA tenderão a ser, sobretudo, desinflacionistas, via choque negativo sobre a procura. Eventuais pressões em alta sobre os preços poderiam advir de tarifas retaliatórias (até agora inexistentes) e de alguma perturbação nas cadeias de abastecimento. Assim, e com um crescimento da atividade ainda baixo (mesmo que resiliente), o BCE deverá manter um easing bias, podendo cortar os juros de referência (pelo menos) mais uma ou duas vezes neste ciclo.
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